Por John Piper
Romanos 9:1–5
Digo a verdade em Cristo, não minto; minha consciência o confirma no Espírito Santo: 2 tenho grande tristeza e constante angústia em meu coração. 3 Pois eu até desejaria ser amaldiçoado e separado de Cristo por amor de meus irmãos, os de minha raça, 4 o povo de Israel. Deles é a adoção de filhos; deles é a glória divina, as alianças, e a concessão da Lei, a adoração no templo e as promessas. 5 Deles são os patriarcas, e a partir deles se traça a linhagem humana de Cristo, que é Deus acima de todos, bendito para sempre! Amém.
Há duas experiências em minha vida que fazem de Romanos 9 um dos
capítulos mais importantes no processo de formação da forma como
penso e vejo todas as coisas, e também da forma como fui levado ao
ministério. A primeira delas aconteceu quando eu estava no seminário e
virou minha mente de cabeça para baixo. A outra aconteceu no outono de
1979 e me levou a servir nesta igreja.
Eu acreditava no meu livre arbítrio quando entrei no seminário, no
sentido de que eu tinha o controle supremo sob minhas decisões. Não
aprendi isso na Bíblia; absolvi essa idéia do ar independente,
auto-suficiente, que se auto-estima, se auto-exalta que respiramos
todos os dias. A soberania de Deus significava que Ele podia fazer
qualquer coisa comigo desde que eu O desse permissão para tal. Com esse
tipo de mentalidade me matriculei na classe sobre o livro de
Filipenses com Daniel Fuller e na classe sobre Doutrina da Salvação com
James Morgan.
Em Filipenses fui confrontado com a intratável cláusula do capítulo 2
verso 13: “ponham em ação a salvação de vocês com temor e tremor, 13
pois é Deus quem efetua em vocês tanto o querer quanto o realizar, de
acordo com a boa vontade dele.” Isso faz de Deus a vontade por detrás
de minha vontade; aquele que realiza por detrás do meu realizar. A
pergunta não era se tenho ou não vontade própria; a pergunta era por
que escolho o que escolho. E a resposta, não a única, porém a
definitiva é Deus.
Na classe sobre salvação lidamos logo de cara com doutrinas de eleição
incondicional e graça irresistível. Romanos 9 foi o texto chave e
aquele que mudou minha vida para sempre. Romanos 9:11-12 diz, “Todavia,
antes que os gêmeos (Jacó e Esaú) nascessem ou fizessem qualquer coisa
boa ou má – a fim de que o propósito de Deus conforme a eleição
permanecesse, 12 não por obras, mas por aquele que chama – foi dito a
ela: ‘O mais velho servirá ao mais novo.’” Quando Paulo levanta a
pergunta no verso 14, “Acaso Deus é injusto?” Ele responde que não e
cita Moisés (no verso 15) : “Terei misericórdia de quem eu quiser ter
misericórdia e terei compaixão de quem eu quiser ter compaixão.” E
quando ele levanta a questão no verso 19, “Então, por que Deus ainda
nos culpa? Pois, quem resiste à sua vontade?” Ele responde no verso 21,
“O oleiro não tem direito de fazer do mesmo barro um vaso para fins
nobres e outro para uso desonroso?”
Emoções afloram quando você sente que seu mundo auto-suficiente começa a
se desmoronar ao seu redor. Encontrei o Dr. Morgan no corredor um dia.
Depois de alguns minutos de uma discussão acalorada a respeito do
livre arbítrio, segurei uma caneta bem na frente do rosto dele e a
deixei cair no chão. Então eu disse, meio que faltando com o respeito
que como aluno eu deveria ter: “EU [!] a deixei cair no chão!” De
alguma forma aquilo era para se provar que foi minha escolha deixar a
caneta cair e isso não tinha sido controlado por nada, apenas por minha
própria soberania.
Mas graças à misericórdia e paciência de Deus, ao final do semestre
escrevi no meu livro de meditações para o exame final, “Romanos 9 é como
um tigre que sai por aí devorando defensores do livre arbítrio como
eu.” Aquele foi o fim do meu caso de amor com a autonomia humana e a
absoluta auto-determinação da minha vontade. Minha visão de mundo
simplesmente não podia mais se levantar contra as escrituras,
especialmente Romanos 9. Foi o começo de uma paixão para vida inteira
em ver e experimentar a supremacia de Deus em absolutamente todas as
coisas.
O Outono de 1979
Então, dez anos mais tarde, veio o outono de 1979. Eu tinha tirado uma
licença do meu cargo de professor na Faculdade Betel. Meu único
propósito para essa licença era para estudar Romanos 9 e escrever um
livro que definiria, em minha própria mente, o significado desses
versos. Depois de seis anos lecionando e me deparando com alunos prontos
a disputar por uma razão ou por outra minha interpretação desse
capítulo, decidi que precisava dedicar oito meses para isso. O
resultado da minha licença foi o livro, A Justificação de Deus. Tentei
responder a cada objeção em relação à interpretação bíblica da
soberania absoluta de Deus em Romanos 9.
Mas o resultado final daquela licença foi completamente inesperado – ao
menos por mim. Meu propósito era de analisar a palavra de Deus tão de
perto e interpretá-la com tanto cuidado que eu poderia escrever um
livro que seria convincente e duraria o teste do tempo. O que eu não
esperava era que seis meses dentro dessa análise de Romanos 9 o próprio
Deus falaria comigo tão poderosamente que eu renunciaria meu cargo na
Faculdade Betel e me poria à disposição da Conferência Batista de
Minnesota se caso houvesse uma igreja que me aceitasse como pastor.
Em suma tudo aconteceu assim: eu tinha 34 anos de idade. Pai dois
filhos e um terceiro a caminho. À medida que fui estudando Romanos 9
dia após dia, comecei a ver um Deus tão majestoso e tão livre e tão
absolutamente soberano que minha análise resultou em adoração e o
Senhor me disse, "Não serei apenas analisado mas serei adorado. Não
serei apenas estudado, serei proclamado. Minha soberania não é
simplesmente para ser escrutinizada, mas sim para ser um sinal do que há
por vir. Ela não é para ser usada para espalhar controvérsias, ela é o
Evangelho para os pecadores cuja única esperança é o triunfo soberano
da graça de Deus sobre a vontade rebelde deles." Foi quando a Igreja
Batista de Belém entrou em contato comigo no fim de 1979. Não hesito em
dizer que por causa de Romanos 9 deixei de ser professor de seminário
para ser pastor. O Deus de Romanos 9 tem sido a fundação sólida de
tudo que tenho dito e feito nos últimos 22 anos.
O Testemunho de Jonathan Edwards a Respeito da Soberania Absoluta de Deus
Sinto-me assim como Jonathan Edwards sentia a respeito da verdade da
soberania absoluta de Deus sobre minha vontade, sobre essa igreja,
sobre as nações – mesmo não tendo a capacidade dele de ver e
experimentar a verdade de Deus. Lerei a seguinte história porque ela
deve ser a história de muitos nessa igreja, e talvez ainda seja, eu
oro, a história de muitos outros:
Desde minha infância, minha mente era cheia de objeções contra a doutrina da Soberania de Deus, que escolhe quem teria vida eterna e rejeita quem Ele bem quisesse; deixando-os perecer eternamente e para sempre atormentados no inferno. Isso parecia para mim uma doutrina horrível. Mas me lembro muito bem do tempo quando comecei a me sentir convencido e totalmente satisfeito com essa soberania de Deus, e Sua justiça em assim se desfazer (ou lidar) eternamente com o homem, de acordo com Sua vontade soberana. Mas nunca pude determinar como, ou por quais meios, eu fui assim convencido, nem sequer podia imaginar então, nem muito tempo depois, que houve uma influencia extraordinária do Espírito de Deus em mim que me permitiu ver mais além, e minha razão compreendeu a justiça e quão razoável isso era. Então, minha mente descansou nisso, pondo um ponto final em todas minhas objeções e picuinhas. Houve também uma maravilhosa alteração em minha mente, a respeito da doutrina da soberania de Deus, desde aquele dia até hoje; que quase nunca tenho encontrado algo que se levante como uma objeção contra ela, em Deus mostrando misericórdia a quem Ele quer mostrar misericórdia, e endurecendo aqueles que Ele quiser. A soberania absoluta e a justiça de Deus, com respeito à salvação e condenação, é no que minha mente parece descansar, assim como algo que se possa ver com meu próprios olhos, pelo menos assim o é em ocasiões. A doutrina, frequentemente, tem se apresentado prazerosa, clara e doce. Soberania absoluta é o atributo de Deus que mais amo. (Jonathan Edwards, Selections [New York: Hill and Wang, 1962], pp. 58-59).
Um Breve Resumo de Romanos 9
Tudo isso parece ser uma ilusória introdução a Romanos 9. Mas é somente
o começo. Pode ter dado a impressão de que Romanos 9 é uma dissertação
a respeito da soberania de Deus. Mas não é. Romanos 9 é uma explicação
por quê a Palavra de Deus não falhou apesar do fato de que o povo
escolhido de Deus, Israel, como um todo, não ter se voltado para Cristo
para serem salvos. A soberania da graça de Deus é apresentada como a
peça chave da fidelidade de Deus apesar do fracasso de Israel, e, por
conseguinte, como o mais profundo alicerce para as preciosas promessas
de Romanos 8. Porque se Deus não é fiel à sua Palavra, não podemos
contar com Romanos 8 também.
Considere esse breve resumo. Verso 3 nos mostra que Israel, como um
todo, é amaldiçoado e separado de Cristo: “Pois eu até desejaria ser
amaldiçoado e separado de Cristo por amor de meus irmãos, os de minha
raça.” Iremos lidar com esse raciocínio de Paulo na próxima semana.
Apenas perceba agora que este é o grande dilema de Israel: “amaldiçoado e
separado de Cristo.” Isso levanta um grande problema! O que dizer
então da Palavra de Deus – a palavra da promessa a Israel e da aliança:
“Serei o Deus deles, e eles serão o meu povo!” (Jeremias 31:33)
Então Paulo responde a essa pergunta no versículo 6: “Não pensemos que a
palavra de Deus falhou.” Você pode ver o que estava em jogo aqui.
Parece que a Palavra de Deus tinha falhado! Mas Paulo diz que não.
Então ele dá uma explicação que o leva para dentro das doutrinas de
eleição incondicional e soberania divina sobre a vontade humana. A
explicação dele no verso 6b é: “Pois nem todos os descendentes de Israel
são Israel.” Nem todo descendente físico de Israel é Israel. Em outras
palavras, a Palavra de Deus não falhou porque as promessas não foram
feitas a todos da descendência étnica de Israel de tal forma que
garantiria a salvação de todo e qualquer indivíduo israelita.
O verso 8 diz isso novamente: “não são os filhos naturais que são
filhos de Deus, mas os filhos da promessa é que são considerados
descendência de Abraão.” Em outras palavras, nem todo o descendente
físico de Abraão é beneficiário das promessas da Aliança. Então, quem
é? Aqui Paulo vai ao fundo da explicação. Ele diz que os beneficiários
da promessa são os filhos da promessa. Mas, perguntamos, quem são eles?
Quais são as condições que eles têm que cumprir para serem “filhos da
promessa”?
Paulo responde a essa pergunta no verso 11, com a ilustração de Jacó e
Esaú, nos confrontando com a suprema soberania de Deus em escolher
quem seria o beneficiário da promessa. Em se referindo a Jacó (quem se
tornaria o herdeiro) e Esaú (quem não foi) Paulo diz: “Todavia, antes
que os gêmeos nascessem ou fizessem qualquer coisa boa ou má [aí está a
incondicionalidade, e aqui a razão para tal] — a fim de que o
propósito de Deus conforme a eleição permanecesse, [eis aqui a
explicação mais profunda que as condições humanas – o propósito
soberano de Deus], não por obras, mas por aquele que chama [perceba:
ele não contrasta obras com fé, mas com ‘Aquele que chama’ – nem sequer a
fé está em questão aqui como uma condição] — foi dito a ela: “O mais
velho servirá ao mais novo.”
Tudo isso levanta a questão a respeito da justiça de Deus. Paulo não
está escondendo nada aqui. Ele está abrindo o jogo, trazendo tudo à
luz. No verso 14 ele diz, “E então, que diremos? Acaso Deus é injusto?”
A resposta de Paulo é não. Depois de citar Moisés a respeito da
liberdade de Deus em ter misericórdia de quem Ele quiser ter
misericórdia (vers. 15) ele repete a respeito da absoluta
incondicionalidade de ser escolhido por Deus para ser um filho da
promessa. Verso 16: “Portanto, isso não depende do desejo ou do esforço
humano, mas da misericórdia de Deus.”
O que nos leva então, à questão no versículo 19, “Então, por que Deus
ainda nos culpa? Pois, quem resiste à sua vontade?” Essas são as
questões que nos confrontam neste capítulo. Todo o Israel são “filhos
da promessa” ou apenas alguns o são? Se somente alguns são, o que faz
de uma pessoa um filho da promessa e outra não? Se é acima de tudo a
misericordiosa eleição incondicional, livre e soberana de Deus, então
Ele é injusto? Se Ele que é livre para ter misericórdia de quem Ele
quiser e endurecer a quem Ele quiser (vers. 18), e se isso não depende
do homem desejar ou efetuar (vers. 16) então, por que Ele ainda acha
culpa em nós?
O Ponto-Chave de Romanos 9: Uma Explicação e Defesa Que a Palavra de Deus Não Falhou
Então você pode ver que o assunto da eleição divina, da vontade humana,
da justiça de Deus, da culpa do homem e da soberania de Deus estão
todos contidos nesse capítulo. Mas não estão aí só por estar. Eles
estão aqui para explicar essa questão que não quer calar: Como pode o
povo eleito de Deus, Israel, ser amaldiçoado e separado de Cristo se a
Palavra de Deus é confiável? Como pode o versículo 6a ser verdadeiro:
“Não pensemos que a palavra de Deus falhou.” Essa é a questão desse
capítulo.
As Promessas de Romanos 8 Prevalecerão?
E isso é absolutamente crucial para nós à medida que nos aproximamos da
mesa do Senhor. As promessas de Romanos 8 prevalecerão? As promessas
compradas pelo sangue que nós, gentios e judeus, confiamos nossas vidas
irão prevalecer? Deus irá honrar seus compromissos, selados com o
sangue de seu Filho? Ele irá fazer com que todas as coisas cooperem
para o nosso bem? Os predestinados serão chamados e os chamados serão
justificados e os justificados serão glorificados? Ele nos dará todas as
coisas juntamente com Ele? Nada nos separará do amor de Deus que está
em Cristo? Será que hoje realmente não há nenhuma condenação? E assim
será amanhã e depois também?
Romanos 9 vem depois de Romanos 8 exatamente por essa razão crucial:
nos mostrar que a palavra da aliança de Deus com Israel não falhou,
porque ela está fundamentada na soberania de Deus e em sua eleição
misericordiosa. Portanto, as promessas para o verdadeiro Israel e as
promessas de Romanos 8 prevalecerão! Esse é o evangelho, as boas-novas,
de Romanos 9. As promessas compradas pelo sangue de Cristo serão
realizadas pelo poder soberano de Deus.
Oh! Quão gratos, quão humildes e quão confiantes devemos ser quando adoramos ao Senhor em Sua mesa!
Desirig God
Desirig God
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