INTRODUÇÃO
A
Igreja Primitiva nos serve de exemplo para diversas coisas e na questão da adoração
não poderia ser diferente. Vivemos em um contexto no Brasil em que tem surgido
muita novidade, um novo “ministério” de adoração, uma nova “igreja” com uma
nova “estratégia”, um novo livro que trás um novo ensino sobre o culto são cada
vez mais comuns. Com isso, cada vez mais novas práticas vão sendo incorporadas
nas liturgias das igrejas, e muitas destas coisas são até antibíblicas.
Lideres
no afã de encher seus templos, e deixar os fiéis de suas igrejas a vontade têm
incorporado inovações ao culto deixando a celebração beirando um programa de
auditório, em muitos lugares comparar o que se chama de culto com programa de
auditório é ser cruel... com o programa de auditório.
A
Igreja Primitiva pode ajudar aqui? Pode. Como os irmãos da Igreja na época do
NT adoravam? O que fazia parte de seus cultos? Será que sua igreja adora como a
Igreja da Bíblia? Prepare-se, acho que nessa lição você vai descobrir.
I- Palavras importantes.
Do
mesmo modo que os escritores do AT, os autores do NT empregam diversas palavras
gregas para designar adoração. O conhecimento destes termos é de suprema
importância para nossa lição.
a) Latreuô (λατρευω). Esta palavra significa servir, prestar culto, honrar (Fp. 3.3).
Note que no AT Moisés pediu a Faraó que deixasse o povo de Israel ir para servirem a Deus (Êx. 7. 16). Trata-se aí
de cultuar, oferecer atos de adoração que agradem a Deus. No AT como no NT a
relação do homem com Deus não deixa de ser de serviço. O autor da Carta aos
Hebreus nos diz que Cristo morreu por nós para que pudéssemos “servir” ao
Senhor (Hb. 9.14). E era isso que a profetiza Ana fazia no templo diariamente
(Lc. 2.37, veja ainda Mt. 4.10; Rm. 12. 1).
b) Sebázomai (σεβάζομαι). Significa reverenciar,
temer (Mt. 15.9; Rm. 1.25). A majestade de Deus impele o pecador a
afastar-se com temor. O uso desta palavra para adoração mostra que a reverência
é o modo correto de o adorador se aproximar de Deus. Todo que vai ao Senhor em
adoração deve ir tendo consciência de Sua grandeza e da finitude da condição
humana.
c) Prokuneô (προσκυνέω). Significa prostrar-se
em sinal de sujeição, adorar (Mt. 2.2; Ap. 4.10). Entre os gregos este
termo era usado para adorar os deuses, ficando de joelhos e prostrando-se. É
assim que João descreve os seres celestiais diante do Cordeiro em Apocalipse 4.
9-10. Antigamente os bancos das igrejas tinham um genuflexório anexado atrás
(peça de madeira para se ajoelhar), hoje isso não existe mais. Adorar parece
ter deixado de ser rendição, prostração, para ser festa. Quando se diz “vamos
adorar” hoje em dia ao invés de se abaixar pede-se que as pessoas fiquem de pé.
Uma contradição imensa, antes se abaixavam, hoje se levantam, mais oposto
impossível. É sinal dos tempos e do conceito de adorar que campeia nos arraiais
evangélicos.
Compreendendo
as palavras usadas por nossos irmãos no NT, agora vamos nos ater as características
da adoração da Igreja Primitiva.
II- A adoração na Igreja
Primitiva.
Conhecer
a adoração no NT é conhecer a adoração da Igreja nascente. Que marcas tinha
este culto? Será que o culto contemporâneo passa no teste se comparado com o
antigo? Observe como era a adoração na época dos apóstolos.
a) Era cristocêntrica. A distinção da congregação em
adoração para as outras religiões era a presenção de Cristo no meio (Mt.
18.20). Todas as partes da adoração eram calculadas para levar o adorador a ter
noção da presença de Jesus.
Confissões
de fé proclamavam seu senhorio (Fp 2.11; Rm 10.9; 1Co 12.3). Os hinos e as odes
louvavam não somente sua pessoa como Deus-Feito-Homem, mas também a obra
salvadora mediante sua morte e ressurreição (Fp 2.6-11; Cl 1.15-20; 1Tm
3.16)... Na mesa da ceia do Senhor, era sua ceia (1Co 11.20) que era relembrada
e perpetuada; sua morte (1Co 11.26) era proclamada, e seu corpo, discernido (1Co
11.29. E era aguardada sua futura vinda em glória (1Co 11. 26) (Ralph P.
Martyn. Adoração na Igreja Primitiva,
p. 165).
b) Era pneumatológica. O Espírito Santo leva os crentes
a glorificar e confessar o senhorio de Cristo (Jo. 16. 13-14; 1Co. 12.3) e refreia
a adoração errada. É o Espírito quem inspira a oração (Rm. 8. 26-27; Ef. 6.18),
o louvor (Ef. 5.18-19). Por Ele somos levados a verdades profundas da Palavra
de Deus (Jo. 16.13ss; 1Co. 2). Ele transmite os dons (1Co. 12). Paulo resume
tudo na frase: “adoramos a Deus por meio do seu Espírito (Fp. 3.3).
c) Era edificante. Isto pode ser visto nos
seguintes aspectos:
1- O propósito dos dons espirituais. Com isso queremos dizer que o
Espírito Santo dirigia tudo; a manifestação dos espirituais era visível. Mas,
Paulo que em meio a operação do pode espiritual, o cristão deveria entender que
o objetivo maior seria a edificação do irmão. A Igreja, a coletividade deveria
ser a beneficiária com os dons na adoração (1Co. 12.7, 25; 14. 5, 12-19, 26),
se não fosse assim seria perca de tempo (1Co. 14. 6-9, 12-17).
2- Tudo deveria ser didático. Todos os que estavam no culto deveriam
entender o que estava acontecendo. Paulo faz questão de enfatizar que só havia
adoração verdadeira quando todos participassem sabendo o que estavam fazendo
(Rm. 12. 1; 1Co. 14).
d) Era participativa, mas
organizada. O
culto do NT parece que era muito movimentado, pelo menos na igreja de Corinto
(1Co. 14.26). Havia lugar para que os crentes usassem os dons para a edificação
geral. Mas, Paulo faz questão de salientar que esta espontaneidade não poderia
descambar na bagunça. Tudo deveria ser feito na mais perfeita ordem (1Co.
14.40). A liberdade do Espírito não desemboca em desorganização, o espírito do
profeta está sujeito ao profeta; descontrole e confusão não coisas de Deus
(1co. 12. 1-3; 14. 26-33).
e) Era com ações de graça. Havia uma nota de gratidão nas
convocações cristãs primitivas. Isso era expressado oralmente (hinos, orações),
e nas contribuições em dinheiro para o serviço, e na observância das ordenanças sagradas (batismo e ceia do
Senhor: At. 2.45; 4. 32-35; 1Co. 14. 16; Ef. 5. 19-20; Cl. 3. 16-17).
III- Organização não é formalismo.
Muitas pessoas
confundem desordem espiritual com espiritualidade (interpretando mal 2Co. 3.17,
pois ali Paulo da liberdade que a Aliança da Graça traz em contraposição a
Aliança da Lei), e dizem quando o Espírito está no controle as coisas acontecem sem se pensar em muita ordem, a decência vira
segundo plano, ninguém pode controlar o Espírito, essas coisas. Liturgia fixa é
vista como coisa de homem. Bem, esse tipo de pensamento não é bíblico. Mesmo já
tendo tocado nesse assunto no ponto anterior letra d, penso que dada a importância do tema, devemos tratá-lo com mais
atenção aqui.
a) As origens da adoração cristã. O jeito de adorar da Igreja
Cristã primitiva está fundamentado na adoração do AT. Quem lê o Pentateuco vai
encontrar ali todas as descrições de como o culto deveria ser no Tabernáculo. Tudo era muito organizado,
Deus dá o modo como deveria ser feito, o que se deveria usar, e mostra até as
pessoas que deveriam participar, e como (Êx. 25-31; 36-39; Lv. 1-8; 10; 16;
23-24; Nm. 9; 28-29; Dt. 23.1-7). A organização era tanta que chegava até a
roupa dos oficiantes (Êx. 28. 3-43). Quando o Templo é construído a organização continua. Existem várias
descrições concernentes até ao louvor; quem deveria cantar, tocar, e como
executar tudo (1Cr. 22-26.19).
Quando
o povo vai para o cativeiro babilônico desenvolve as Sinagogas, e o culto ali era também muito organizado. A estrutura
está: louvor, oração, sermão, bênção. Dependendo o dia da semana o padrão
poderia mudar, mas a tríade louvor, oração, sermão sempre está presente (veja
descrição em: Ralph P. Martyn. Adoração
na Igreja primitiva, pp. 34-38).
b) Paulo e a organização. O culto cristão tem sua origem
nesta estrutura organizada do povo judeu. Quando Paulo se depara com uma igreja
que estava fazendo pouco caso da organização no culto, ele é duro com ela (1Co.
11. 17-34). Nas suas palavras chega a sugerir uma ordem de culto (14. 26), e
reitera o fato da ordem e da decência.
c)
Formalismo também é condenado. Ordem no culto não implica em frieza ou formalismo,
pois a mesma Bíblia que prega a organização combate o formalismo. Jesus condena
a adoração que é focada em lugares e tradições (Jo. 4. 20-24). Se o culto do AT
estava ligado a status (sacerdote), e lugares (templo), com a chegada dEle isso
mudou. Todo lugar onde tem um santo é lugar de culto. Ele condena também os
exibicionismos e vãs repetições de palavras (Mt. 6.7); práticas de rituais em
substituição a retidão genuína (Mc. 7.6ss).
Seguindo
a verdadeira tradição profética, Jesus não tolerava a perversão da piedade
mediante o formalismo oco. Jesus censura não somente o exibicionismo na oração,
mas também a oração que consiste em repetições sem sentido (R. N. Champlin. Enciclopédia de Bíblia, Teologia e
Filosofia, vl. 1, p. 59).
Em
adoração as palavras e exemplos de Cristo norteavam a vida de adoração da
Igreja no NT.
CONCLUSÃO
A
adoração na Igreja Primitiva era algo essencial, vital. Todos os dias, de casa
em casa ou no templo, os irmãos se reuniam para celebrar ao Senhor (At. 2. 46).
Entende-se que a adoração era vista como serviço reverente a Deus, por meio de
Jesus Cristo, e impulsionada pelo Espírito Santo. O culto racional dos irmãos
era prestado visando o bem comum, e em ação de graças ao Senhor que tudo fez e
proporcionou a salvação. Assim, como soberano, Ele, e só Ele, deveria ser
adorado. Esta era a compreensão daquele povo.
Para
aqueles irmãos a adoração poderia ser espontânea e carismática, sem implicar em
desordem ou bagunça. O Espírito que os unia, também os levava a ordem e a
decência, sem com isso transformar-se o culto num ritualismo morto. Se a Igreja
atual quiser cultuar a Deus, fazendo um culto que Ele aceite, deve urgentemente
se espelhar na adoração do NT.
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